Sobre escrita afetuosa
Escrita e afeto
Escreve, escreve, escreve. Escreve sobre família, viagens, memórias, pensamentos, meditações, sobre si. Mas, antes de escrever, sente. Sente cada passo, assume cada compasso, reflete, vive, ouve, guarda.
É o cheiro do bolo que conecta com uma memória infantil. É o amargor de uma sensação que leva a um medo. É um som profundo, vindo da escuridão do inconsciente, que te obriga a conversar com seu Eu. É a rotina, ou a busca por ela, que te mostra a não linearidade do mundo. É o prestar atenção na cadência da palavra escrita num fundo branco que mostra que essa organização só é possível quando se dilata texto numa ‘nuvem’ de papel.
Aterrissar palavras é como ver desenhos no céu azul brilhante. É codificar pensamentos. Depois de lê-las é suportar os efeitos de seu escrito chegando na alma. É lidar com as impressões e emoções que aquela porção de significados tem para o outro. É testemunhar as reações que podem derrubar muros dentro de cada um. É ver que a compreensão integral do que é cada palavra tem suas nuances baseado em crenças que cada indivíduo que a lê carrega consigo.
O encontro com a escrita, aquela que fala da gente, que conversa com o outro, não vem em molde, não é feita para agradar a internet, tampouco qualquer rede social. Ela é feita para ficar na gaveta, se quiser, mas também para dividir com quem importa, numa carta, bilhete, em forma de post, de diário, até tweet, se você tiver um bom poder de síntese.
Gosto da escrita na primeira pessoa, gosto de me ver no texto e sentir que ele vai como se tivesse proseando com alguém, no sotaque que melhor couber no ouvido. Afetividade no papel é quando se vê a alma e a verdade ganhando forma na imaginação do outro a cada avanço pelo desenho das palavras. É o texto que deixa de fingir que conversa e, agora, sim, toca o seu leitor para aproximar e transformar aquela relação. E faz isso de maneira diferente toda vez que o relê. Ele te leva de volta para seu canto especial dentro de sua imaginação. Escrever e ler deixam de ser atos solitários e ocupam outro campo. É escritor-leitor no mesmo devaneio.
Novamente, escreve, escreve, escreve. Agora escreve com afeto, com coragem, mostra vulnerabilidades. Mas agora se joga para sentir as ondas que as palavras geram, para também transformar, aproximar e afetar o outro.