Criar uma horta é aceitar o tempo e sentir a vida

O que aprendi tocando na terra e deixando florescer. Por Giulia Ebohon

O que é vivo nos lembra da nossa própria vida. Essa constatação me atingiu durante um encontro e, como uma grande descoberta, comecei a entender de onde veio aquela vontade repentina e tão instintiva de criar uma horta no quintal da minha casa.

A ideia surgiu em junho, quando interrompi o ritmo alienado do meu antigo trabalho para desfrutar de quinze dias de férias.

Como quem acaba seus compromissos e pode desfrutar de uma dose de liberdade, quis ocupar todo aquele tempo com algo que durasse. Algo que não voltaria a trabalhar comigo; que me lembrasse dos diversos compassos que a vida pode ter.
Decidi criar uma horta. E que surpresa ver essa ideia me preencher tão verdadeiramente. Eu, que desde que me lembrava, não tinha nenhum afeto por plantas, estava prestes a doar um pouco de mim as suas raízes.

hortagiuEsse distanciamento era de longa data e muito dizia sobre mim. Quando adolescente me frustrava com a facilidade com a qual as plantas sob meu cuidado morriam. Me presentear com uma Azaleia era quase uma sentença de morte para as flores.
Fato é que eu não dedicava tempo a elas, não respeitava sua necessidade de água e tampouco conferia a terra, o resultado era certo. Mas projetei essa decepção na natureza e me contentava em achá-las bonitas, apenas.

Pois em junho deste ano rompi com essa limitação que eu mesma me impus e abracei a ideia de ter uma hortinha em casa. Não poderia imaginar o quão rico seria encontrar um espaço para abrigá-la, cuidar desse novo lugar e só então cultivar as mudinhas.

Juntei mãos. Mãe, vó, amigas, tios, se uniram para ressignificar um cantinho ignorado no nosso quintal. Confesso que mesmo em férias – período em que teoricamente podemos nos desligar do relógio – me deparei com aquela familiar ansiedade para terminar coisas. Eram momentos em que desejava fazer um trabalho de três dias em três horas.

Mas a demora da tinta para secar, a dificuldade para grudar o cimento e a paciência exigida pela massa corrida negavam o tempo do escritório e me ensinaram a nivelar expectativas. Nada atravessaria os passos de cada processo.

As dificuldades se tornaram palpáveis e com elas pude entender minhas limitações, traçar prioridades e acompanhar o ritmo do tempo que ali se instaurava. Não era o meu tempo, era apenas, tempo.

Como se tivesse passado por vários estágios de preparação, adquiri quase uma maturidade precoce para lidar com as mudinhas. Mas, mais do que isso, criamos uma relação e, vez ou outra, toco na terra em momentos de inquietude e sinto acalmar.

Ainda lanço olhares demorados para a horta. Sinto que ela me acrescenta, talvez porque nela encontrei partes de mim. Talvez seja inevitável criar laços com o que é vivo, há uma silenciosa compreensão de que vivemos um caminho familiar.

Diariamente observo o crescimento das plantas, o surgimento de um novo fruto, sua fraqueza, sua rigidez e todos esses resquícios de vida que, tão naturalmente, se reconhecem em mim. E como é bom lembrarmos da nossa própria existência.

Giulia Ebohon é jornalista e recém-cultivadora de hortas.
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