foto doinstagram de Laura Tonini

[Por] menos estados emergenciais e mais estados dançantes e poéticos – respiro, pausa, beleza.Laura Tonini facilita processos de ensino e aprendizagem, trabalha com movimento, escrita sinestésica, arte-educação somática e encontra na dança uma ferramenta para humanizar as relações. É sobre essas relações entre Comunicação e Corpo que conversamos no dia 9 de abril de 2021.

Abrindo possibilidades de expressão

Se comunicação é a arte de tornar comum, por que não pensá-la para além das palavras? A dança, conta Laura, traz de volta a “relação comigo, com as outras pessoas e com os espaços que ocupo e habito”.

Num mundo tão acelerado como o nosso, abrir espaço para dançar é dilatar o tempo, especialmente o das relações. Para ela, dança e a escrita são possibilidades de expressão: “Pensar em como me expresso, me coloco no mundo e nas relações”. Sua expressão escrita (e a que ela propõe em seus programas) nasce da percepção dos próprios movimentos, do próprio corpo. A arte-educadora conta que essa abertura ao corpo tem sido uma demanda não só dos contextos artísticos e de desenvolvimento pessoal, mas de muitas empresas: “Muitas empresas de tecnologia estão pedindo nesses tempos de pandemia; espaços de comunicação com esses outros espaços novos como mecanismo de humanização”, conta.

Expressividade é sua palavra-chave para definir comunicação. Sem adentrar em conceitos específicos, ela diz que vê comunicação e expressão muito juntas, uma comunicação que nasce da clareza do que cada um expressa. Conversamos sobre o quanto hoje há um excesso de expressividade e que uma expressão sem propósito pode virar alienação. Por isso, seu trabalho se dedica muito a promover uma expressão com clareza, com observação das escolhas, do movimento do corpo até a palavra (ou vice-versa). “Dentro do meu trabalho, a expressão é muito presente. A dança e a escrita só vêm porque estou muito dentro de mim, com muita certeza de que investigação corpórea estou atenta nesse momento. Escolho o movimento e a palavra”, Laura explica como trabalha a educação somática e a escrita cinestésica: após o movimento do corpo, a pessoa é convidada a traduzir o movimento nas mãos, numa escrita automática e cinestésica. Em seguida, propõe a reflexão desses escritos. A comunicação, assim, nasce a partir dessa reflexão, emerge do texto, estrutura sobre a qual se dá um sentido para tudo o que se movimentou interna e externamente.

Cinestésico e Sinestésico 

Cinestesia se conecta com a percepção do movimento com sentido, observando pesos, resistências, gestos. Já sinestesia tem relação com a sensação espontânea (ou cruzamento de sensações) de cada indivíduo diante de estímulos diversos. São esses dois eixos que dão base para exploração da expressividade, através da dança, que pode se tornar comunicação.

“A dança é um saber que não passa pela palavra comunicação. Sinto que para usar essa palavra [comunicação], quando ela vem solta, vem trazendo ideia de uma linha narrativa. O meu trabalho não é sobre linha narrativa, é sobre sensação, é sobre sentir. Falo mais na palavra diálogo do que comunicação – é como uma troca, a partir do seu lugar, da sua vivência, história”, explica Laura.

Nesse ponto, Michelle complementa dizendo que em algum momento da história a comunicação deixou de ser diálogo, talvez porque se começou a entender comunicação como sistema, quando a palavra vem de comum, uma organização do comum – e que é preciso reavivar esse significado.

Corpo comunicante

Trazendo a conversa para o corpo comunicante, este que é nossa mídia primária, Laura reflete sobre o viés da Educação Somática, que trata da unidade mente-corpo e como um espelha o outro. Ela diz que a somática (na abordagem de Thomas Hanna) reforça a ideia de que somos a inter-relação entre consciência, função biológica e meio ambiente. São três inteligências que orquestramos: mecânica (do corpo do movimento), a biológica (dos sistemas) e a relacional (dos afetos).”

Para convocar o corpo comunicante, é importe dar atenção ao fenômeno do movimento. Nesse sentido, Laura conta que percebia que a dança de salão tradicional, por exemplo, não se apresentava tanto como um lugar de comunicação, pois havia a regra da cópia e reprodução de um movimento dependendo do estilo da dança. Hoje ela trabalha mais de perto com a improvisação em dança e pôde aportar sua prática de educação somática: “Meu público vai afetar o que estou fazendo e tenho abertura para modificar o que estou fazendo. Nesse sentido, entendo que é um corpo que comunica, dialoga. É fenomenológico – depende de como o público reage também. Sinto que é um corpo aberto ao que acontece agora, muito mais do que preso a uma estrutura”, aponta.

Na improvisação estruturada, o espetáculo é pensado para ser atravessado por afetos: da artista, como está naquele dia, e do público, como recebe e interage.

corpo presente

Na relação com a escrita, a dança é “escrita com presente, com o corpo presente”, como diz Laura. A presença é uma qualidade fundamental para a prática que ela conduz, aguçando a percepção de seus alunos. “Na educação somática, eu trabalho com BMC (Body Mind Centering) e os pilares são: sentir, perceber e agir. A presença é sobre isso: sinto, percebo que sinto e faço algo a respeito, percebendo isso. Pra mim não é mental, tem mais a ver com engajamento corpóreo, estou inteira engajada naquilo, por exemplo no vento tocando minha pele, som passarinho e buzina do carro; não tem a ver com estado de não pensar em nada”, explica.

corpos em relação se (re)humanizam

Laura comenta que seu fazer é dedicado a humanizar as relações e conta como vê urgência nisso, não só nas relações pessoais como no ambiente de trabalho. Michelle comenta que há nesse espaço (corporativo) um fetiche da produtividade, que leva as pessoas ao limite, e o quanto é importante trazer o olhar de volta para a potência do humano. Ao que nossa entrevistada complementa: “Novo paradigma, tão ancestral e primário mas precisa ser apresentado como um novo paradigma.”

Ela diz que quando pensa na humanização das relações, inclusive no ambiente laboral, procura trazer a relação da pessoa com ela, com seus movimentos, interesses, gestor, trazendo do lugar de dentro, da intimidade para então ampliar a visão desse movimento no espaço, explorando com os alunos que topografias cada corpo desenha no espaço, imagens que podem emergir, como cada um se relaciona com o espaço e com o movimento de outra pessoa. “Construo, assim, um ambiente seguro para poder dialogar, falo como me senti, converso sobre o que acontece – só isso já gera uma identificação – quando a gente se identifica a gente se humaniza. E alguma instância a gente se identifica uns pelos outros, a começar pelo interesse de estar ali naquele momento”, conta. 

Movimento e escolhas do viver

Para Laura, a dança deveria estar no cotidiano das pessoas, promovendo “menos estados emergenciais e mais estados dançantes e poéticos – respiro, pausa, beleza”. Experimentar a dança fora da hora marcada de evento permite que as pessoas experimentem mais o próprio movimento, o próprio corpo: “Que escolhas você está fazendo para mover com esse braço?” – exemplifica -, “é importante que a gente tenha clareza das escolhas, não é sobre certo ou errado; é sobre que escolha você está fazendo. A gente consegue criar essas relações entre sala de aula e vida, a gente começa a humanizar. A arte sai do palco e ela vem pra minha casa”, conclui.

Assim, a dança sai do espaço regrado da coreografia e entra na potencialidade da improvisação, mais focada na construção e expressão da intenção do movimento do que em brilhar num palco. 

Muitos colegas perguntam por que ela escolheu essa arte, e ela conta que a dança geralmente atrai mais público que quer dançar num espaço específico; e ela reflete: “como a gente tira a arte desse lugar que é só com artista? Como transpor esse lugar?” E responde que só é possível levar arte para outros públicos desconstruindo elementos. Ela levou, por exemplo, o improviso e a educação somática para dentro de uma empresa de TI e acredita na promoção de diálogos novos com esses espaços, entre as pessoas e que assim se gera transformação. “Eu acredito, em qualquer instância, quando a gente muda nossa relação com a gente pelo sensível, a gente muda a forma como ocupa os espaços, a gente precisa mudar o que coloca no mundo”, conclui. 

Por fim, falamos sobre intimidade como qualidade do movimento refletivo. No poema “Achadouros”, lembra Laura, de Manoel de Barros, há um verso que diz “A gente descobre que o tamanho das coisas há que ser medido pela intimidade que temos com as coisas.” É essa qualidade de dedicação com a gente e com as coisas que a facilitadora defende e promove por meio de seu trabalho: tirando as pessoas de uma rotina que gera ausência e conduzindo-as a bailar com presença na vida.

Como citar: TONINI, Laura. Laura Tonini e a dança entre Comunicação e Corpo. [Entrevista concedida a] Carolina Messias e Michelle Prazeres. Projeto Humanizar a Comunicação. São Paulo, DesaceleraSP, 19 abr. 21. s. p.

 

Anna Lígia Pozzetti é intérprete e tradutora e atua como construtora de pontes entre culturas. Economista de formação, ela pratica mediação cultural ao emprestar a sua voz (incluindo também sua postura, seu corpo, seus sentidos e muita pesquisa!) para pessoas que precisam ter as suas mensagens compreendidas em outro idioma. Ela trabalha especificamente com a ponte entre dois países e suas culturas: Brasil e Japão.

“Meu ofício é comunicar em um idioma diferente. Preciso passar ideias, mensagens, raciocínios, em outro idioma. Não traduzimos palavras. Usamos o que está por trás das palavras. Muitas pessoas não conseguem, porque é preciso esperar uma unidade de sentido. Acompanhar o raciocínio. Sempre estamos alguns segundo atrás, ouvindo, falando e nos monitorando, para ver se o tom está adequado e equilibrando todos os esforços cognitivos ao mesmo tempo”, conta Anna.

Ela explica que um idioma é uma cultura. Então, ela trabalha transitando de uma cultura para outra. “Dependendo da situação, precisamos fazer adaptações. Esse é o trunfo de sermos pessoas e não máquinas. Precisamos fazer pontes. A estrutura gramatical do japonês é diferente da do português. Precisamos nos descolar das estruturas gramaticais para fazer um texto que faça sentido, que seja fluido. Por isso, trabalhamos colados nas palavras, mas desconfiando delas”, diz a tradutora.

O processo de trabalho de uma intérprete começa com um ingrediente fundamental da comunicação: o cuidado. “O processo pode ser estressante. Muitas vezes, temos que estar no palco, então a preparação é o segredo, tanto para a interpretação simultânea quanto para a consecutiva. Eu interpreto muitos arquitetos, ceramistas e artistas. Normalmente não recebo material com antecedência, o que seria o ideal. Então, eu preciso me preparar para conseguir transmitir a mensagem e a intenção daquela pessoa. Quando recebo o nome ou o tema, eu mergulho naquele universo”, explica.

A antecipação permite que a comunicação flua no tempo certo. Anna conta que algumas pessoas que ela interpreta não dispõem de tempo para estar com ela antes, sobretudo em eventos, quando profissionais vêm do Japão com a agenda apertada por conta da viagem e de outros compromissos. Para enfrentar esse desafio de conhecer a personalidade que vai interpretar antes do evento ou reunião, Anna busca se antecipar pesquisando sites, vídeos e redes sociais para captar os gestos, o tom, a forma de falar, expressões que a pessoa usa mais comumente.

A importância performance para fazer a ponte entre culturas

Anna explica que precisa, de alguma forma, “entrar na cabeça da pessoa” para interpretá-la. Para isso, os inputs sensoriais são imprescindíveis.

“Já interpretei pessoas famosas, chefes demitindo funcionários, grandes empresários globais. Todo mundo tem algo importante para falar. Quando estamos todos no mesmo ambiente, já é desafiador. Hoje, pelo digital, só temos a voz. Então, está sendo muito importante trabalhar a modulação da voz. É um trabalho de performance. […] Tem interpretações que eu faço em pé, porque não tem como fazer sentada. Fiz uma coletiva de imprensa de um campeonato de futebol. Não cabia ficar sentada. Às vezes, para incorporar a mensagem, é preciso incorporar este gestual”, conta Anna Ligia.

Quando trabalha com eventos, ela explica que sua intenção na interpretação é que as pessoas que usam o fone de ouvido para acompanhar as palestras tenham a mesma experiência de quem está acompanhando os palestrantes no idioma de origem. “Preciso fazer com que a pessoas se comuniquem da maneira mais natural possível do lugar de invisibilidade do intérprete”, explica.

O glossário são os tijolos da ponte

Parte do cuidado para que exista relação de ressonância entre as pessoas que estão envolvidas na comunicação – e para a qual Anna busca construir as tais pontes – envolve a montagem de um glossário com termos e expressões que a pessoa a ser interpretada usa. “Eu estudo esse glossário, o tempo da fala da pessoa, as expressões que ela usa, sua idade, se é uma pessoa mais extrovertida ou mais fechada, mais séria… e vou fazendo ajustes de acordo com a pessoa e o público com quem ela vai falar”.

O glossário que a intérprete prepara a cada trabalho são como os tijolos da ponte que vai conectar as culturas e abrir caminho para que a mediação aconteça. Trata-se de um esforço de reconhecimento prévio para que a comunicação possa fluir, com o desafio de ela não acontecer no mesmo idioma. 

“O intérprete deve ter um respeito muito grande pelo interpretado e, ao mesmo tempo pelo público que está ouvindo. Quando trabalhamos, estamos sendo esta ponte de comunicação e precisamos garantir uma experiência da qual todos saiam com a mensagem clara”, afirma.

Tradução automática X tradução humanizada

Anna acredita que as máquinas podem ser auxiliares em processos de tradução, mas que não são capazes de atuar como intérpretes como os humanos. E aí talvez esteja a conexão com a ideia de comunicação humanizada.

“O gestual está envolvido. Preciso ter contato visual com quem estou interpretando. Preciso olhar e colocar o que estou vendo na minha voz. No gestual, a cultura japonesa é muito diferente da brasileira. Por exemplo, eles têm um gesto que é claro que é um “não”. Eu, ao conhecer a cultura deles, posso auxiliar um cliente que me contratou a entender melhor esse gestual. Existem aspectos de nuances que tem num idioma e não tem no outro e que a máquina não é capaz de interpretar”.

Ela explica que o japonês é idioma contextual e que dizer um simples “oi” pode depender de com quem você está falando, o horário do dia, o tempo que faz desde que você encontrou aquela pessoa pela última vez, entre outras questões. “É preciso contexto. O Google tradutor faz um ótimo trabalho de facilitar a entender coisas básicas, mas jamais se deve usar para publicar ou conversar, pois você pode estar cometendo uma gafe de quebra de hierarquia, de falta de respeito e de sensibilidade. Existe na interpretação um aspecto linguístico e cultural”, pontua a intérprete.

“É preciso ler o ar”

Para traduzir esta ideia, ela usa uma expressão comum no Japão: é preciso ler o ar. Na comunicação que envolve pessoas, é preciso star atento(a) ao ambiente. “Uma vez eu traduzi o código de conduta de uma empresa. Aparentemente, é um conjunto de frases estruturadas, que posso jogar no tradutor e ele vai me entregar algo minimamente organizado. São procedimentos. Mas neste projeto que eu estava, era com um cliente antigo, com quem tenho liberdade de falar que havia um ponto que precisava ser revisado. Era uma norma de vestimenta que listava “erros” tipicamente femininos, como saia curta, decote e transparência. Questionei se era uma norma voltada apenas para mulheres e eles tiveram a oportunidade de criar uma regra voltada para todos os funcionários, sem distinção de gênero”. Em situações como esta, se usarmos o tradutor, a comunicação perde estas matizes.

A comunicação humanizada para Anna é aquela que “leva em consideração a cultura”, não como algo hermético; não como uma caixinha de estereótipos, mas como algo relacional, relativo. “A cultura aponta para os registros que devemos usar para nos comunicar. De que cultura preciso me aproximar e para qual preciso apontar? A partir do momento em que se consegue se comunicar com alguém levando em conta a cultura, você consegue ser mais empático e fazer adaptações”.

A questão que a move como intérprete é “como na postura como intérprete conseguir passar uma imagem e fazer uma comunicação que seja pacífica e harmônica, fazer pontes de palavras, conceitos, ideias, de forma que faça sentido”.

Entrevista realizada em 22/9/2020 e registrada por Carolina Messias e Michelle Prazeres. Para conhecer mais o trabalho da Anna Lígia Pozzetti, acesse o site da Komorebi Translations.

 Ilustração do destaque: 十人十色」“10 pessoas, 10 cores”,  da ilustradora Anna Charlie para o Projeto Kotowaza, inspirada em provérbios japoneses.

 

Como citar: POZZETTI, Anna Ligia. Anna Lígia Pozzetti e a comunicação como ponte entre culturas. [Entrevista concedida a] Carolina Messias e Michelle Prazeres. Projeto Humanizar a Comunicação. São Paulo, DesaceleraSP, 22 set. 20. s. p.

Ana Erthal é professora, coordenadora do Núcleo de Pesquisas da ESPM Rio e autora do livro A Comunicação Multissensorial, que traz a síntese de sua pesquisa de mais de uma década sobre uso dos sentidos como estratégia de comunicação. Entrevistamos a Ana, via zoom, no dia 11 de agosto, terça-feira, à tarde.

Com olhar de pesquisadora acadêmica que também pratica comunicação nos múltiplos fazeres profissionais, Ana falou da dificuldade de olhar a teoria do que é a comunicação hoje.“Estávamos acostumados a entender a comunicação como coisa do emissor, mas hoje tem uma participação ativa do receptor, sobretudo com as redes digitais” –  ela aponta. Nesse contexto, surge a necessidade de reciprocidade entre quem fala e quem escuta. Uma fala que traz verdade para convidar a uma escuta de verdade também.  “Tem a ver com a disposição de quem fala”, não se trata apenas do que é a fala (conteúdo) em si. O conteúdo que sai do emissor tem que ser claro e transparente, não adianta ser um jargão muito complexo que não vai conectar. “É sobre falar e ser ouvido, no ambiente da família, do trabalho e dos estudos.”

A autoralidade soma como uma característica importante da comunicação com essa qualidade de autenticidade e legitimidade, pois integra o que já fizemos, lemos e fala da experiência. A professora traz exemplos de sala de aula em que jovens muitas vezes não estão sabendo se colocar com a própria voz. Há muito ruído, que impede que a pessoa aprenda a ouvir o outro e a si mesmo na interação. Não compreende quando o outro não ouve, por vezes fingindo que ouve.

A comunicação se torna um jogo tão envolto de símbolos, para além da linguagem verbal, incluindo humores, código gestual, que acabam gerando incompreensão. Há que cuidar da escolha das palavras com clareza e simplicidade, como se fossem flores no jardim. Humanizar a comunicação, na visão de Ana, é sentir-se próximo, cuidar do que cria essa maneira de interagir entre mim e o outro.

A escolha das palavras somada ao conjunto de símbolos que fazemos uso dizem tudo sobre nós. Envolve como vamos nos colocar, e é cada vez mais importante aprender a se colocar, discutindo inclusive tema delicados (e tabus), como política e religião. 

O estudo de Ana sobre a sensorialidade na comunicação mostra que os estímulos sensoriais têm dito muito mais que as narrativas, pois atravessam a gente sem pedir licença. Diferente das narrativas, que demandam elaboração do receptor para gerar entendimento, cores, sons e sabores comunicam automaticamente afetos positivos e negativos em nós, pois convocam memórias e sensações. A nossa percepção dos cheiros, por exemplo, nos atravessam quatro vezes mais rápido que a luz, podendo gerar uma série de emoções: conforto, segurança, irritabilidade, nojo… Também são muitos os estudos sobre o efeito das cores e dos sons no comportamento humano, na forma como modelamos nosso comportamento, sobretudo no campo da Publicidade. Ana alerta para um uso indevido desses elementos: “as pessoas são enganadas duplamente, pela veia sensorial e pelo discurso narrativo” que as induz ao consumo irrefletido. E ela também traz o benefício de resgatá-los em nossa comunicação de forma a recuperar nossos sentidos, por exemplo, o tato, que atualmente se tornou um vilão no contexto pandêmico. O quanto desacostumar nosso tato pode influenciar na nossa forma de estar em interação conosco, com o outro e com o mundo? Outro sentido que merece ser recuperado em sua graça, segundo a pesquisadora, é a audição, por meio da percepção de nossos humores diante da paisagem sonora que se apresenta. A tendência atual do ser humano de buscar se isolar dos ruídos externos, especialmente nas grandes cidades, nos fazem perder o contato com essa paisagem sonora.

Sobre o uso mercadológico da comunicação, Ana comenta que gostaria que as pessoas tivessem uma formação crítica, para recuperarem os próprios sentidos e poderem questionar o impulsos que as estão atravessando sobretudo no consumo. Ela comenta um exemplo de pesquisa chinesa sobre uso de aromatizante em ambientes de trabalhos com a finalidade de torná-los mais produtivos, sem refletir sobre a sustentabilidade psíquica, física e emocional das pessoas com o excesso de produtividade.

 “Comunicação humanizada é se colocar no mundo como humano”, afirma. Ela conta que se conecta conecta com o termo “comunicação humanizada” pela pele, pelo modo como nós, seres humanos, estamos no mundo como humanos e, como tal, precisamos de contato, proximidade, toque, estar junto. Desde bebê, desenvolvemos uma série de coisas em nosso organismo por conta do toque de quem ocupa o papel de mãe, principalmente.

A pele traz tema do acolhimento. A relação humana acontece também no corpo, no estar presente, e ter este ponto de contato (a pele) com o outro como possibilidade de estar aberto para ouvir e conversar. “Se você não percebe seus sentidos, você está se desumanizando, pois está perdendo o que só você tem”, Ana comenta sobre os desdobramentos da falta de sensibilidade na comunicação.

Quando questionamos sobre práticas de comunicação multissensorial, a professora indicou que hoje ainda a maioria das intenções são voltadas para o consumo. Como práticas mais humanizadas, traz os exemplos de uso de cores e música em hospital que cuida de pacientes em tratamento com câncer como forma de modular um comportamento menos pesado e mais acolhedor às pessoas que circulam no ambiente; também comentou sobre uma praça que era tida como local perigoso por ser pouco iluminada e frequentada. Nesse local foi feito um processo sensorial, incluindo paisagens sonoras, iluminação, rampas de skate – tudo contribuindo para mudar a relação que as pessoas tinham entre si e com aquele ambiente. 

Por fim, Ana Erthal nos convidou a refletir sobre o próprio espaço das casas, que costumavam ter jardim na frente para bloquear odores da rua e perfumar a entrada, mostrando como essas paisagens olfativas influenciam nossa relação com o lar e com as pessoas que circulam e ocupam esse ambiente.

Como nossos sentidos tem apoiado nossa comunicação? Como podemos usar a comunicação multissensorial a serviço de fortalecer nossa humanidade?

Como citar: ERTHAL, Ana. Ana Erthal: a comunicação multissensorial. [Entrevista concedida a] Carolina Messias e Michelle Prazeres. Projeto Humanizar a Comunicação. São Paulo, DesaceleraSP, 14 ago. 20. s. p.