“O quanto eu posso afetar a pessoa por algo que posso transmitir a ela?” – este foi um dos muitos pensamentos inspiradores sobre comunicação que a especialista em comunicação não violenta, Elisa Tredicci, trouxe para nossa conversa no dia 13 de outubro de 2020. Neste relato, você conhece a abordagem e o trabalho da facilitadora e mediadora de conflitos dentro e fora das organizações, sua concepção de comunicação que é resultado, não intenção, e a importância do recurso da escuta e o tempero do amor na comunicação assertiva. 

Elisa é facilitadora de aprendizagens e consultora organizacional e se interessou pela comunicação com mais profundidade quando tomou contato com a Comunicação Não Violenta como abordagem.

“Percebi que já era algo com que eu trabalhava nas empresas que eu atendia, porque sempre trabalhei com grupos. A partir da CNV, diagnostiquei que muitas questões que eu trabalhava nas empresas eu começava a resolver por como as pessoas de relacionam, nos setores, líderes com equipes, equipes entre si. O trabalho não era puramente comunicação, mas sempre tinha uma semente de comunicação”, explica.

Ela começou então a chamar seu fazer de “programas de humanização ou desenvolvimento de equipe ou de liderança” e a atender diversos tipos de clientes – com maior ou menor grau de formalidade. “Vou adequando o que cabe para cada lugar”. Ao longo de sua jornada profissional, foi percebendo entre gestores uma inabilidade de trazer a comunicação como chave para a resolução de questões. “Estou falando de liderança, porque em geral os ambientes e as equipes são o espelho do que é a cultura do lugar e das relações entre as pessoas. E, em geral, as equipes são a cara do gestor”.

Seus programas visam fazer com que as pessoas se sintam vistas e escutadas, para que sintam que os outros confiam no trabalho delas, para que exista um entendimento do papel de cada pessoa. “Isso vai “amolecendo”, tirando camadas, e as pessoas vão se olhando além dos rótulos dos crachás e se olham com humanos”, explica Elisa. As interações que tende a provocar na facilitação intencionam conectam as pessoas em alguns lugares. “Uma das formas de começar os programas é conectar com a criança de cada um ou com a ancestralidade. Vou trazendo memórias, que quando as pessoas contam, já passam a receber outro olhar”.

A partir destas abordagens, ela vai trazendo conceitos da comunicação assertiva e não violenta. Ela explica: “Ser direto ao ponto não é ser agressivo. Se você traz uma base de CNV, consegue ser assertivo sem receio de que vai causar algo nas pessoas”.

Uma comunicação que gera entendimento e é resultado

Para Elisa, comunicação é “conseguir ser eu mesma a partir da minha verdade de forma que as pessoas entendam. Comunicação não é intenção, é resultado. É também minha responsabilidade trazer algo para que a pessoa entenda. Quando eu falo algo, falo a partir de uma imagem que está dentro. Quem escuta espelha o que eu falei e cria uma imagem própria, que pode ser totalmente diferente do que eu tentei transmitir. Como, sabendo desse espelhamento, consigo trazer algo de forma assertiva com cuidado e intenção de ser cuidadosa para que se receba a mensagem que eu quero transmitir? Posso também checar se você entendeu o que eu quis dizer”.

Em síntese, seria o ato de conseguir trazer a imagem que vem de dentro com cuidado de modo que a outra pessoa entenda; e checar com a pessoa para saber se ela captou o que se quis transmitir. “Se eu não fizer isso, eu abro a porta para infinitas interpretações. Aí, pode ser comunicação mas será que é assertiva?”, questiona Elisa.

“Falar a verdade com amor”

A ideia de comunicação humanizada ou de humanizar a comunicação faz sentido para Elisa. “A comunicação humanizada é com menos ou nenhuma dureza ou frieza. Uma fala só direta ou só assertiva, sem calor. A Comunicação Humanizada é com cuidado e amorosidade. Isso não quer dizer necessariamente que eu tenho que amar a pessoa. A amorosidade vem de mim. E não do que eu possa sentir por alguém. É falar a verdade com amor”, diz.

Ela admite que este é um desafio em um mundo marcado por dualidades. E quando o outro não tem disposição para a ressonância? “Com a CNV assertiva, tive a constatação de que exige um esforço cerebral permanente escolher falar assim, porque não é automático. Essa parece ser, para mim, a conexão com o slow: é parar, respirar e poder agir. E não agir orquestrada pela emoção e o impulso”, explica Elisa.

Elisa traz também a referência de comunicação presente na teoria U. Segundo esta teoria, a comunicação acontece em quatro níveis de escuta, como ela resume:

  • “No 1º nível, acontece o downloading. É quando a pessoa presta pouca atenção. Isso se dá, porque a pessoa já tem um julgamento ou opinião sobre aquele tema que está sendo tratado. O cérebro “desliga” e a pessoa oferece uma escuta passiva.
  • No 2º nível, acontece uma escuta factual. A pessoa começa no 1º nível, mas alguma palavra ou termo chama atenção e ela se conecta. Algo refuta a curiosidade para que ela preste atenção. A pessoa começa a escutar com um pouco mais de atenção. É um estado de mente aberta.
  • No 3º nível, acontece a escuta empática. A pessoa se conecta emocionalmente. É um estado de coração aberto.
  • No 4º nível, acontece a escuta generativa: mente aberta, coração aberto e vontade aberta. Neste nível, a presença está tão presente, que é possível se conectar com o que emerge daquela conexão.”

Não é mais uma soma de expressividades, mas comunicação. Algo que emerge do entre. “É como se houvesse uma cocriação. Apenas pela escuta, eu apoio a pessoa a transformar ideias, porque ela está falando comigo e sendo escutada”, explica Elisa. Esta abordagem permite nos perguntarmos “o quanto eu posso afetar a pessoa por algo que eu posso transmitir para ela?”.

Para Elisa, quando começamos a praticar, sabemos voltar para esse lugar que se constrói na escuta generativa. “Talvez a necessidade não atendida da pessoa é apenas falar. Precisamos ter consciência de que podemos afetar o outro inclusive com o nosso silêncio de escuta presente. A escuta é o grande poder”. A ideia do thinking environment, lembrada na conversa, é essa vontade de aprender e escutar o outro. Para Elisa, a intenção está relacionada com a vontade de escutar o outro e de falar de forma que o outro entenda. “É uma vontade de dissolver o conflito”. Ela resume: “É o COMO. Como criar melhores condições de diálogo com ferramentas, consciência e autoconhecimento”.

Elisa indica caminhos para quem busca humanizar a comunicação: consciência e aprendizagem. “Só aprendemos algo quando se transforma em ação, se não, isso é apenas uma informação que você colocou para dentro. É muito mais fácil quando se pratica”, explica. Ela conta que a informação pode chegar por um livro, um vídeo, um artigo… mas que é preciso tomar consciência e começar a praticar para que de fato aquilo se torne um aprendizado. “Por isso, nos meus grupos, faço com que as pessoas experimentem. Apenas vivenciando elas enxergam que é possível e seguir fazendo. É preciso praticar o que se sabe e ter a vontade aberta para ver o que mais surge”.

Quando convidada a adentrar a questão prática, Elisa aponta a sensorialidade como um componente importante para que a comunicação aconteça. “Coloco as pessoas de frente uma para a outra. Já fiz isso com executivos. Eles se emocionaram no lugar da escuta que tinham que se olhar. Precisamos lembrar que temos tecnologias humanas milenares de acesso pleno. O olhar é uma delas. A forma como se olha para quem está falando, o toque, o abraço quando existe abertura para isso…”. O olhar e a escuta mostram muito. São constatadores da presença”.

 

Como citar: TREDICCI, Elisa. Elisa Tredicci e a comunicação assertiva e não violenta. [Entrevista concedida a] Carolina Messias e Michelle Prazeres. Projeto Humanizar a Comunicação. São Paulo, DesaceleraSP, 13 out. 20. s. p.

 

Ana Maio é pesquisadora em comunicação e nos contou, em 8/9/20, sobre seus estudos e atuação com a abordagem face a face no ambiente corporativo. Seu interesse por estruturar essa abordagem temática começou nos idos de 2007, em seu trabalho como jornalista na Embrapa, no Pantanal. O chamado a vivenciar um ritmo e uma cultura diferente da que experimentava em São Paulo começou a movê-la em vários níveis. Entre 2012-16 faz seu doutorado em São Bernardo do Campo defendendo a tese sobre a comunicação face a face, com o apoio da instituição onde trabalhava. Na pesquisa, estudou também a comunicação mediada pela tecnologia e observou o quanto a comunicação mais humanizada, personalizada, voltada aos relacionamentos gerava mais conexão e engajamento na equipe.

Em 2017, ela segue sua jornada em São Carlos (SP), movida por um convite e uma questão familiar. Lá começou a descobrir o movimento slow, como o trabalho da italiana Anna Cortelazzo, que, através da slow communication, orienta os clientes dela no menos é mais, resolvendo inclusive rejeitar a entrada de mais clientes para prezar a qualidade de sua consultoria. 

Quando questionamos sobre o que é comunicação para Ana, ela trouxe em sua fala o conceito de Ciro Marcondes Filho; “é algo que te move a fazer alguma coisa” – diz, “existe a sinalização, a informação e a comunicação”. A primeira existe, está posta, indica coisas; a segunda chama a atenção para o conteúdo proposto; ; já a terceira chama a atenção e provoca mudanças por ressonância (é um acontecimento). 

O projeto de pesquisa de Ana coloca em evidência o lado mais humano, pois a comunicação face a face permite uma observação do não verbal, abrangendo uma análise do discurso do comportamento. Em seus treinamentos corporativos sobre essa abordagem, ela procura fazer as pessoas pensarem sobre isso. E na produção de comunicações internas (boletins), nota que as pautas mais lidas são sobre o lado humano, por exemplo, quando abordou talentos dos colaboradores.

Para ela, técnicas da comunicação face a face podem ser aplicadas tanto interna, quanto externamente, mesmo quando a conversa for mediada por tecnologias.

Ana aborda também a questão do espaço como fator que pode contribuir para a comunicação face a face: o espaço físico comunica muito, pois envolve como as pessoas vão ocupar esse espaço (distribuição, modo em pé ou sentado, tom de voz, movimentação da sala, adequação da vestimenta). A comunicação não verbal do espaço como cenário onde os seres vão se expor e interagir. Orienta, assim, o formato da conversa, o tom, quem terá lugar de fala e momento para isso.

Na comunicação organizacional, essa abordagem face a face pode ser usada de forma estratégica – conhecendo o indivíduo que vai falar para saber como interagir. 

Ana conversou conosco também sobre a artificialidade da comunicação, que se confunde na superficialidade da divulgação. Parece que os relacionamentos acabam ficando em segundo plano para dar lugar à rapidez, excesso de energia para resultados expressos. A comunicação face a face traz um paradigma diferente disso, e Ana percebe que cada vez mais há abertura para essa forma mais slow de olhar a realidade e a comunicação.

Como exemplo dessa prática, ela dá a dica: “não responder rapidamente mensagens, especialmente se o que você recebe for desagradável.” Ela também menciona o exemplo dado pelo Carl Honoré (no livro Devagar), de que para desacelerar ele cita o caso de um jornalista que começou a dirigir de forma diferente. Parar na faixa de pedestres, não passar o sinal vermelho e dirigir de forma mais consciente e slow pode ser uma forma de treinar essa habilidade e expressar também na comunicação.

Ana também traz a referência do TED Talk do editor Rob Ochard, sobre a necessidade de revolução do jornalismo com a abordagem slow para evitar disseminação de notícias digitais falsas ou rasas causadas por hiper-velocidade. A pesquisadora comenta que retomar assuntos que foram deixados para trás é uma forma de valorizar o jornalismo. Descobrir e retomar coisas que possam ser importantes também é fazer notícia nova, com profundidade e interesse. Nessa linha do slow media, Ana indica o filme “Cuba e o Cameramen”, sobre um cinegrafista americano que viajava à Cuba a cada cinco, seis anos para procurar as mesmas pessoas e produzir este filme que registra 40 anos de histórias reais. “Tem coisas que não adianta tentar ultrapassar a linha do tempo”, ela diz (e nós concordamos). Antes de finalizar, ela também trouxe um exemplo de comunicação face a face num projeto realizado no Hospital Santa Catarina, em que acontecem trocas de correspondência e videochamadas, além de crachás de identificação, para garantir a humanidade das relações entre paciente e equipe de saúde, com afeto.

Ana Maio tem uma vasta produção acadêmica em torno da comunicação face a face. Indicamos aqui um de seus artigos, que sintetiza sua tese de doutorado:

Comunicação face a face nas organizações em tempos de sociedade midiatizada. Organicon, v. 13 n. 24 (2016): Relações públicas: dimensões e práticas

Como citar: MAIO, Ana Maria Dantas de. Ana Maio e a comunicação face a face no ambiente organizacional. [Entrevista concedida a] Carolina Messias e Michelle Prazeres. Projeto Humanizar a Comunicação. São Paulo, DesaceleraSP, 24 set. 20. s. p.