Ana Biglione é facilitadora de processos de aprendizagem para pessoas, empresas e instituições. Sua atuação é influenciada pela fenomenologia goetheana e pelo ativismo delicado, abordagem da prática social reflexiva de Allan Kaplan e Sue Davidoff. Ana é sócia fundadora da Noetá.
Entrevistamos Ana em 30 de junho de 2020 e apontamos aqui os destaques de sua fala sobre comunicação:
De que comunicação estamos falando?
“Meu trabalho é comunicação”
Ana contou que seu trabalho é conversar e colocar as pessoas para conversar. “Aproximar pessoas de si e dos processos” por meio de encontros e diálogos.
É difícil traçar distinções sobre algo que é o meio pelo qual nos relacionamos. Ela vê a comunicação em ação em seu trabalho com conversas, facilitar essa arte do ser humano de se relacionar. Também percebe uma prática refletida no uso “explícito” da comunicação: como lê e responde um e-mail, por exemplo; como estrutura uma escrita sobre algo.
Percebe na comunicação não instrumental algo mais orgânico no seu fazer. Traz o olhar para como o ambiente comunica, exemplificando com o cuidado que tem de expressar segurança, hospitalidade, acolhimento tanto na recepção de pessoas no espaço da Noetá, onde atua, quanto no espaço dos clientes e parceiros (sempre perguntando antes como será o espaço de atuação e buscando prever (ou se antecipar) para gerar o acolhimento para as facilitações. Alguns valores movem esta intenção comunicativa: segurança, intimidade, conforto, poesia em uma comunicação que busca convidar, convocar, provocar e antecipar o ambiente com uma atenção e um cuidado que são a extensão da “casinha” da Noetá.
Pensa a comunicação desde antes do encontro com pessoas, por meio de e-mails, textos profundos e convidando a reflexão sobre o que dará o tom do encontro. Comunicar é relacionar(-se) e, portanto, a intenção da comunicação está presente em muitas formas, maneiras, lugares e gestos institucionais.
Acredita que a comunicação é tudo. “Tudo comunica. É meio que vai ajudando a gente a se encontrar e a se relacionar.” Pode ser estruturada, por exemplo, em sites, materiais, redes, mídias digitais, rede de relacionamentos e parcerias.
No Ativismo Delicado não tem o tópico Comunicação. Trata-se de um jeito de estar no mundo. Percebe uma diferença, por exemplo, em relação à CNV (Comunicação Não violenta), que oferece uma estrutura de linguagem, forma de falar e de pensar, defende alguns jeitos de olhar. No Ativismo Delicado e na Prática Social Reflexiva, foca-se em habilidades que os seres humanos têm: observar, refletir, pensar e, ao fazer isso, se faz a comunicação. A comunicação é como um resultado, uma manifestação dessa mudança na sensibilidade das pessoas, em seu no modo de pensar e ampliação da consciência. Não tem uma atuação instrumental. “A comunicação é parte do que se desenvolve quando convidamos a desenvolver uma série de habilidades e sensibilidades de observar, refletir e pensar”.
A conversa é uma das artes com as quais trabalhamos. Algumas mudanças podem ser consideradas indicadores de movimento, como – nas relações – a temporalidade, a escuta; a atenção que se coloca no simples fato de se escrever um email; a linguagem, o tamanho destas peças de comunicação.
Coloca em foco a comunicação nas relações. Percebe que há uma comunicação interpessoal, que acontece nos ambientes da facilitação (mesa do café, forma dos espaços de conversas que promove) e uma comunicação mediada, que é a que acontece por meio de canais, mídias, linguagem e visual. Encontra na prática da escrita um espaço fértil de relação, por onde promove proximidade, dá abertura, faz provocações.
Coerência e reflexo são importantes para que a comunicação seja orgânica e não soe falsa. “A comunicação não infla; ela comunica”. E cada momento pede uma comunicação. “Sem coerência e consistência, a comunicação não se sustenta no tempo largo. Ela tem vida útil”. Existe sempre uma tensão sadia em pensar o que chega nas pessoas (a quem queremos chegar) e a linguagem “da moda”. “Como entrar em relação com as pessoas sem abrir mão da nossa verdade?”. Isso, pensando que a comunicação é viva. Então, ela “caduca” e tem que ser permanentemente revista e redita.
Sobre comunicação humanizada, ela diz “me reconheço neste campo”, ainda que acredite que o termo “humanizado” vai pra um lugar pré-estabelecido, mas que também é um resgate de algo que de perdeu ao longo do tempo: “vamos a ele, porque algo se perdeu” e virou uma comunicação do automático, mecanizada”. Acredita que humano reforça a comunicação que é autoral, verdadeira e íntegra.
Como citar: BIGLIONE, Ana. Ana Biglione: a Comunicação e o Ativismo Delicado. [Entrevista concedida a] Carolina Messias e Michelle Prazeres. Projeto Humanizar a Comunicação. São Paulo, DesaceleraSP, 7 jul. 20. s. p.