Laura Corrêa é artista visual, designer e desenhista de processos. Ela se encontra nas artes que têm no tempo um parceiro e se inspira na natureza, seu “grande livro”. Laura é criadora do Estúdio bem te vi. Entrevistamos a Laura no dia 23 de Julho,  quinta-feira, pela manhã. A entrevista aconteceu remotamente, pela plataforma ZOOM.

Artista multifacetada, Laura buscou em processos de autoconhecimento a resposta para uma pergunta que se apresentou depois de dez anos de trabalho bem sucedido em um emprego de sucesso, mas sem sentido. “Onde eu posso colocar o desenho no mundo?” foi a questão que a moveu a romper com um campo onde ela fincou raízes por meio do design gráfico. Designer de formação, ela trabalhou em agências de comunicação e – um dia – se viu e crise com o que significava fazer o que fazia. “Eu colocava desenho e imagem em qualquer coisa. Via a imagem que eu produzi e isso me trazia dilemas filosóficos, conceituais, éticos, políticos”.   

Hoje. ela visualiza a possibilidade de agir com quem ela é em muitas áreas. “Observo processos e extraio deles expressões visuais”. Para ela, a arte extrapola o universo artístico como a sociedade concebe no senso comum. “A arte é uma habilidade de pensamento”.

Consciente desta potência, ela a ativou para fundar uma escola, desenvolver projetos sociais e culturais e se engajar em ativismos. “Fui aos poucos me sentindo confortável para atuar em diferentes campos a partir do olhar artístico”. 

Com a pergunta que a moveu a romper com o trabalho repetitivo das agências, Laura foi estudar e buscar pessoas que ajudassem ela a trazer elementos para esta busca. Desta jornada, nasceu um projeto de buscar as raízes da visualidade do brasileiro. “Em todos os meus encontros, sempre me vi como brasileira. Mas o que é isso? O que quer dizer? Comunicar é ir ao encontro; é buscar o que de essencial existe nas partes envolvidas na comunicação, para que a comunicação flua”.

A pesquisa deste projeto trouxe clareza visual para outros projetos, inclusive para a criação de seu próprio estúdio.

Comunicação que vem de dentro

“Humano é isso. É a comunicação que vem de dentro. Não posso incutir uma imagem que  vive em mim em uma coisa que o outro quer comunicar”. Laura nunca compreendeu as “tendências” de comunicação ou as cores consideradas “pantone do ano”. “A comunicação só acontece se encontrar um caminho de fluxo de dentro para fora”. 

Diante desta constatação, uma questão se impõe: “como serei autoral com minha expressão visual, sem ser A autora do processo?”.

Laura costuma convidar as pessoas que a contratam para um processo de co-criação, “O primeiro passo é um mergulho para dentro”. Nesse sentido, ainda que ela reconheça o suposto paradoxo da expressão “humanizar a comunicação”, ela o vê como necessário. “Ao afirmar que é preciso humanizar, acordamos algo em um mundo que começou a se desumanizar, se boicotar, acelerar e pular etapas. Quando acreditamos que as coisas podem ser iguais envolvendo entes diferentes, é porque estamos nos maquinizando”.

Praticar a humanização da comunicação trouxe o prazer de volta para Laura. “Antes, era um processo repetitivo. Conhecer as pessoas para comunicar processos é uma riqueza! É uma maravilha!”. Para fazer isso, ela criou uma espécie de “caminho” para seus clientes. Chamado de “fios do tempo”, o processo consiste na realização de encontros prévios ao processo criativo. “É esta troca que faz com que as pessoas se enxerguem no campo do que não é cognicível, é intangível”. Isso gera um encantamento que conecta com outro pensamento”.

Revelar-se no tempo

Laura tem uma paixão especial pelas artes que têm no tempo um parceiro. “A fotografia sempre foi minha companheira. Senti isso na alma na primeira vez que entrei em uma sala escura. E consegui atribuir sentido depois de algum tempo. A ideia de algo que se revela no tempo e que opera em luz e sombra, para mim, é uma metáfora da vida, do que eu busco na vida”. “Gosto de todas as artes que tem um processo no tempo para se revelar. Adoto gravura, que se imprime no reverso. Isso é a vida!”.

Tempo e natureza possuem uma conexão íntima para Laura. “A natureza é minha grande inspiração. Meu grande livro. E foi muito marcante para mim o momento da vida em que parei, tirei um tempo para mim e para minha família e tive tempo para olhar e observar a natureza com outra atividade, com outra disposição. Com tempo. pude observar a natureza do lugar que sempre busquei e nunca havia conseguido, que me permitiu captar a expressão do que vem de dentro”. Foi neste momento que ela realizou que a superfície é apenas uma destas expressões. “Como consigo, pela expressão externa, mostrar o interno?”: esta pergunta se apresentou e passou a movê-la. “Esta é a poética do verso e do reverso que mencionei com a gravura”.    

A beleza do artístico, para ela, reside nesta busca, mas que não contém todas as respostas, nem tampouco pode ser reproduzida como uma fórmula. “A beleza é o descontrole do que o Outro vai entender e sentir”. Ela conta que precisou de um processo de alargamento para conseguir se soltar na relação com este não controlar. “Trata-se de um entre, mais fluido, onde a comunicação acontece”. Nesta dança, a liberdade da comunicação artística trouxe importantes insights para processos de comunicação conectados ao universo do design, em que muitas vezes é preciso atender a metas e objetivos. “Nunca vamos controlar. Precisamos buscar apenas uma âncora, algo que finque a comunicação”. Para isso, é preciso buscar a verdade do que se comunica.

“O que importa é que seja a verdade daquela pessoa, projeto ou organização e que eu consiga fazer esta verdade sair por meio da expressão visual”. Não se trata de um método. Não dá para sistematizar. “Justamente por se tratar de uma prática que se estabelece no vivo. As coisas vivas estão em transformação e pedem que se estabeleçam vínculos”.

Existem dicas práticas para se comunicar assim?

Não se trata de um método e não é possível estabelecer um “passo a passo” para a comunicação viva, autoral, humanizada, com sentido e a partir do vínculo e da verdade. Laura conta que é possível desenvolver uma “postura” ou atitude nesse sentido, ainda que não se possa chegar a um lugar “final”, onde a comunicação estaria “pronta” ou “estabelecida”. O senso de humanidade do processo está justamente na compreensão de que ele está vivo, em movimento, em transformação e se dá a partir de cada relação.  “É preciso estar sempre aberto para deixar que o Outro entre e para criar um campo para que o Outro permita que você entre”. 

E não existe uma forma de criar nada com outras pessoas sem que haja encontro. “Cada um vai exercitar as possíveis formas de criar esse encontro”. 

Estar aberto significa não se formatar. “Não dá para criar uma fôrma para as coisas. Esta compreensão é a minha principal dica”. 

Outra dica é a de que nós – comunicadores(as) – somos veículos. “Nós ajudamos a trazer expressão do que o outro quer manifestar no mundo. Temos algumas habilidades e recursos para isso”.

Por fim, devemos convidar o outro a ser criador da sua própria voz. “Temos que sair do lugar do ego, da comunicação dos prêmios, da competição, da vaidade. Estar acordado para isso é um exercício. E não devemos parar nunca de praticar e ver pela experiência do caminho”.

Laura compartilhou com a gente reflexões de Michelangelo que a acompanham desde que ela entrou em contato com a obra, quando viveu na Itália para estudar. 

“Em cada bloco de mármore vejo uma estátua; vejo-a tão claramente como se estivesse na minha frente, moldada e perfeita na pose e no efeito. Tenho apenas de desbastar as paredes brutas que aprisionam a adorável aparição para revelá-la a outros olhos como os meus já a vêem.”

“Observei o anjo gravado no mármore, até que eu o libertasse.”

As frases, da obra “Os Escravos” nos convidam a pensar sobre o papel de uma comunicação que tem seu sentido no desvelamento de algo que (já) está ali e que precisa florescer.  

      

Como citar: CORRÊA, Laura. Laura Corrêa: a autoria e os fios do tempo. [Entrevista concedida a] Carolina Messias e Michelle Prazeres. Projeto Humanizar a Comunicação. São Paulo, DesaceleraSP, 24 jul. 20. s. p.

   

   

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