O RITMO INFANTIL NÃO É COMO O DO RELÓGIO

“Quando não respeitamos o RITMO da criança, ela se sente menos capaz, menos rápida, menos esperta, começa a dizer “NÃO CONSIGO” e aí vai gradativamente anulando, dessa forma, o valioso sentido do ritmo infantil: a genuína capacidade de serem cientistas natos, onde observam, se interessam, exploram, questionam, descobrem e  desfrutam dessa descoberta de mundo toda delas.

Original publicado na B


Percebi que meu ritmo não precisava ser o mesmo da minha pequena filha numa quinta feira dessas qualquer, dia em que ela tem uma atividade no clube (ballet). Antes de começar esse post, gostaria de ressaltar que sempre fui adepta ao movimento do “slow parenting” (pais sem pressa), que repudia o fato de muitos verem na infância uma corrida rumo à perfeição, onde crianças são cheia de atividades, viram “mini executivos” e mal tem tempo para o mais importante na vida deles – o livre brincar. Não. Eu sempre fui muito consciente dessa questão da importância do tempo para a criança, tanto é que a única atividade que minha Clarinha, de 3 anos, faz fora da escola é o ballet uma vez na semana, por que ela quis.

Mas sou humana, e como tal, muitas vezes erro feio. E um dia desses, percebi o quanto eu estava apressando minha filha, impondo meus ritmos já corrompidos pelo mundo aos seus ritmos, tão puros e naturais.

Foi assim…

Quando a aula dela acabou, ficamos um tempo lá resolvendo umas pendências e eu estava me sentindo muito angustiada, atrasada, juntando as coisas do ballet da Clara para colocar na mochila, já pensando no horário apertado, no almoço que ainda teria de preparar, no lanche que teria que colocar na lancheira, no banho que teria que dar nela para que entrasse fresquinha na escola a uma da tarde. E já eram quase 11h.

Enquanto juntava as coisas, já pensando em toda a logística do “como farei para encaixar tantas coisas em tão pouco tempo sozinha” eu pedi à Clara: “Filha, tire a sapatilha e coloque seu sapato”.

Ela não me deu ouvidos. Continuou girando, bailando, fazendo sua saia rodopiar. Mesmo ela podendo ela mesma fazer isso, pensando em ir mais rápido fui até ela, arranquei a sapatilha e coloquei o sapato. A peguei pela mãozinha e disse: “Vamos”. Na outra mãozinha, uma garrafinha de água.

No caminho de volta para o carro, ela parou para tomar sua água. Pediu sua bolachinha que estava na bolsa.

Aquilo me fez de alguma forma surtar por dentro. Estávamos atrasadas. Verbalizei isso: “Filha, te dou no carro, estamos atrasadas”. Ela abaixou a cabeça, continuou andando: “Mas eu queria agora!”.

Fiz prevalecer minha vontade. Dei no carro a bolachinha e la, já instalada na cadeirinha, ela tomou sua agua e lanchou. Consegui, como diariamente consigo, dar conta de tudo até o horário em que a levei cheirosinha para a escola. Quando a entreguei, um vazio me consumiu.

EU FIZERA DUAS COISAS QUE DEPOIS, AVALIANDO COM CALMA, CONSIDEREI HORRÍVEIS:

Primeiro: Eu fiquei fazendo por ela tudo o que ela poderia fazer sozinha, por pressa. Isso é muito ruim para o desenvolvimento dela e também para a sua auto-confiança. Como ela vai se sentir competente colocando seus sapatos se eu sempre vou até lá para calça-los mais rapidamente? Pode parecer uma enorme besteira o exemplo dos sapatos, mas leve essa lógica adiante: se tudo o que nossos filhos fizerem a gente tente ir até lá para apressar, eles nunca se sentirão competentes. Péssimo para a auto-estima. Além disso, crianças que vivem sob pressão, sem respeito aos próprios ritmos, tem muito mais dificuldades em serem independentes e criativas.

Segundo: Não é nenhuma novidade dizer que o tempo da criança nem sempre é o mesmo nosso. Do relógio. O tempo, ou ainda, o RITMO infantil não é como o nosso. Eu sou adulta, vivo com pressa, pois estou intoxicada por uma vida corrida. Mas a vida de uma criança de três anos não pode – e nem deve – estar contaminada com essa ansiedade mundana que sim, um dia ela vivenciará, mas que presente na vida dela hoje, não trará beneficio algum, muito pelo contrário.

Quando não respeitamos o RITMO da criança, assim como citei no numero 1, ela se sente menos rápida, capaz, esperta, e vai anulando, dessa forma, o valioso sentido da vagarosidade infantil: a genuína capacidade de serem pequenos cientistas natos, onde observam, se interessam, exploram, questionam, descobrem e  desfrutam dessa descoberta de mundo toda delas.

Se Clara demora para calçar seus sapatos, é por que ela como criança precisa desse tempo. Enquanto ela calça, ela experimenta o formato de seus pés encaixando-se no calçado, verifica a melhor forma de encaixe, qual pertence a qual pé, verifica a melhor forma de fechar… Nada no ritmo infantil está contaminado com a pressa que coloca os adultos no automático, fazendo com que façamos, inclusive, muitas coisas sem que sequer pensemos o porque estamos fazendo daquela forma.

Enfim, aquilo me consumiu. Refleti muito e, quando fui pegar Clarinha na escola, a abracei forte e deixei que fizesse tudo no seu ritmo. Desde pegar a mochila, até entrar vagarosamente no carro, encaixando-se em sua cadeirinha. Enquanto ela fazia tudo no tempo dela, me olhava… No olhar, aquele questionamento, esperando se ela poderia fazer as coisas em seu ritmo. Apenas sorri. O sorriso tem o poder de dizer: “vai milha filha, faz no seu tempo, está tudo bem”.

Revendo meus ritmos, para respeitar os dela. O ritmo intrínseco da infância. Afinal, a pressa é toda minha e é absurdo jogar esse peso para ela tão cedo!