Por Michelle Prazeres
O caso “papinhagate” (a mãe que contrata os serviços da “escola-faz-tudo” e se orgulha de nunca ter feito uma papinha) revela questões fundamentais da relação com o tempo na sociedade-velocidade.
Trabalhamos muito. Passamos longas horas nos deslocando. Temos pouco tempo para o que importa (como, no exemplo, estar presente para os filhos).
Mas onde está a origem do problema? Me incomoda (além da responsabilização da mãe, claro!) na comoção que se gerou sobre o caso, que responsabilizemos apenas as pessoas por fenômenos como este.
Está mais do que na hora de pensarmos de onde vem a nossa pressa.
Nas reflexões que estamos fazendo no #desacelerasp, vem ficando cada vez mais evidente que as estruturas estruturadas (por nós e em nós) e estruturantes (de nós) onde se encontram selados os contratos de tempo na sociedade nos prescrevem cada vez mais a pressa, a velocidade e o correr como normatividade.
Me parece que uma saída generosa conosco mesmos enquanto humanidade seja um duplo movimento que olha para os discursos, as instituições e as pessoas.
Talvez precisemos – dentre outras coisas – (1) deixar de responsabilizar apenas os indivíduos por estas escolhas (e deixar de nos julgar, buscando a empatia e o reconhecimento do outro); (2) olhar para o cenário mais amplo e perceber as forças que nos pressionam a correr (e para como cada um de nós de algum modo também reproduz o sentido de jogo veloz); e (3) fazer de nossas decisões escolhas informadas a partir de uma relação mais consciente com o tempo.
Nesse sentido, da consciência temporal, desacelerar não é necessariamente ter uma vida lenta. Desacelerar é ter uma relação mais consciente e serena com o (seu) tempo. E não pode se tornar mais um peso ou mais uma obrigação entre tantas outras que nos deixam cada vez mais ansiosos e reféns de um ritmo que não é nosso.
Por outro lado, do ponto de vista mais “macro”, desacelerar é uma tarefa nossa como sociedade. Precisamos decrescer, consumir menos e de forma mais consciente; ter tempo para as relações, parar de adultizar a infância, de medicalizar a vida e de pular refeições; e precisamos humanizar os espaços de convivência (inclusive os espaços de trabalho, que – nos depoimentos que colhemos em nossos espaços de coaching temporal -, parecem ser os principais vilões da velocidade com suas regras de produtividade e multitarefismo).
Desacelerar não é parar no tempo. Nem voltar. Pelo contrário. É avançar. Mas avançar na contramão. E isso não é nostalgia. É uma nova utopia. Real. Necessária. E, paradoxalmente, urgente.
Em tempo, minha reflexão foi inspirada neste texto certeiro do querido Rodrigo Ratier.