Você costuma acelerar os vídeos aos quais assiste e os áudios que escuta? Plataformas de conversa, como o WhatsApp, e de streaming, como YouTube, Spotify e Netflix, possibilitam que os seus conteúdos sejam reproduzidos em velocidade até duas vezes maior. Para muita gente é até difícil se imaginar sem o acesso a esse recurso. “À primeira vista, a possibilidade de acelerar e ‘ganhar tempo’ pode parecer um presente. Por outro lado, pode ser um gatilho para a ansiedade, impactando as relações pessoais e afetando a saúde física e mental”, alerta Tatiana de Carvalho Socorro, mestre em psicologia e professora da Universidade Tiradentes, de Sergipe.
Para o psicólogo Kleber Marinho, responsável pela clínica PPI, a ferramenta não é propriamente um problema, já que recursos tecnológicos deveriam ser bem-vindos, sobretudo quando a ideia é aprimorar e/ou facilitar nossa vida. Entretanto, ele acredita que deveríamos sim questionar a forma, o propósito e a finalidade específica do uso. “Podemos indagar o porquê tais recursos são desenvolvidos, a serviço de quem e a que se prestam, qual é a real necessidade e, por fim, para quê? Por essa via, seria possível traçar um diagnóstico sobre o ‘tempo’ atual que vivemos e, a partir disso, chegaríamos na análise do sintoma já implicitamente existente no próprio recurso”, diz.
Michelle Prazeres, idealizadora do Desacelera SP, iniciativa para as pessoas desacelerarem na cidade de São Paulo, também acredita que esses recursos são sintomas de uma sociedade cada vez mais acelerada e marcada pela cultura da velocidade. No entanto, ela avalia que precisamos olhar para essas manifestações de forma generosa, para não tender a responsabilizar os indivíduos apenas. “Pode ser que faça sentido, em algum momento, acelerar os áudios. Mas o problema é que essas ferramentas surgem como necessidades e se tornam hábito para logo em seguida se tornarem a regra. Quando a velocidade faz sentido, que bom que podemos correr, mas quando a regra é correr, precisamos observar, porque pode haver algo de errado”, ressalta ela.
Além disso, a aceleração generalizada da existência vem afetando a nossa vida em outras áreas, como lista Michelle Prazeres: na educação, com crianças cada vez mais cedo pressionadas por um sistema que estimula a competição e o aprendizado precoce (muitas vezes, comprometendo a infância como tempo de brincar); na medicina, com atendimentos cada vez mais rápidos e menos atentos ao corpo e à história da pessoa; na moda, quando tudo é descartável e a cada semana temos novas coleções nas vitrines, formando cadeias de produção cada vez mais desumanas; na tecnologia, quando somos cada vez mais pressionados a ter a última versão de cada dispositivo; na alimentação, quando comemos cada vez mais rápido, sozinhos e alimentos ultraprocessados.
“A aceleração é um fenômeno relacionado à ideia que criamos de avanço, de evolução, de desenvolvimento, e que todos sabemos que está equivocada, tendo em vista os alarmantes números de degradação dos recursos naturais do planeta. No entanto, apesar de sabermos disso, seguimos glorificando o ocupado, o rápido, achando bonito o fato de sermos indisponíveis e superprodutivos”, lamenta a idealizadora do Desacelera SP.
Como desacelerar? Segundo Prazeres, desacelerar não é necessariamente ser devagar. É se perguntar quando a velocidade faz sentido e quando ela não faz, mas corremos, porque isso é o “normal”. “Desacelerar é recobrar os sentidos, é humanizar. Por isso que, vale ressaltar, não se trata de um movimento de indivíduos que se desaceleram apenas a si. Trata-se de um movimento coletivo, que entende que é preciso desacelerar a vida, o mundo, as relações, para que todos possamos desacelerar”, enfatiza.
Do ponto de vista individual, ela sugere algumas atitudes: Cuide das relações importantes para você; Perceba as suas escolhas de tempo; Faça uma coisa de cada vez e com pausas entre elas; Fique mais tempo off-line; Mantenha contato com atividades que proporcionam desacelerar, como estar na natureza, cuidar de plantas ou realizar trabalhos manuais.