Por Michelle Prazeres
Quando criamos o Desacelera, colocamos o “SP” no nome do projeto, porque ele nasceu aqui, na cidade onde pensar a nossa relação com o tempo e a velocidade nos lança neste enorme desafio.
Mas colocamos também, porque para nós, o Desacelera sempre teve um caráter coletivo. Ele nasceu como um guia para as pessoas desacelerarem e conviverem na cidade, que buscava também mapear projetos, organizações e redes que estavam construindo o movimento slow por aqui.
Ao longo destes cinco anos de existência, foi ficando cada vez mais evidente nosso incômodo com o “DesacelerE”.
Para honrar a construção do movimento slow enquanto luta coletiva, o desacelerar não pode ser um imperativo individual. Não pode ser, de forma alguma, uma prescrição que pressiona e apressa as pessoas, sob pena de reforçar a lógica que queremos combater.
Para desacelerar como pessoas e como humanidade, precisamos de consciência individual e de esforço e construção coletivos. Precisamos de cidades diferentes, empresas diferentes, mentalidades diferentes, processos educativos diferentes… precisamos mudar o ambiente para que todas as pessoas possam desacelerar.
Precisamos pensar sobre velocidade, produtividade, desenvolvimento, tecnologia, crescimento, inovação e todas estas ideias aceleradoras na perspectiva da desaceleração.
Por isso que o Desacelera se define como articuladora de projetos slow e desaceleradora de pessoas e negócios. Nosso desejo é que possamos ser, um dia, desaceleradora de cidades, estados, países…
Porque o desacelerar não é uma receita ou uma fórmula para indivíduos. É um manifesto para uma sociedade que corre, cansa e continua correndo, porque isso virou o automático, o natural.
Não me entendam mal. A abordagem individual é necessária. A produção de conteúdo informativo, os eventos de sensibilização, tudo que fazemos tem um caráter de promoção de uma reflexividade, que busca provocar nas pessoas o que chamamos de consciência temporal. Acreditamos que este movimento começa nas pessoas. No pequeno, no local.
Por isso, buscamos também provocar os grupos de pessoas para que se fale sobre o tempo, para que mexamos nos nossos contratos de tempo. Para que busquemos soluções em ambientes de troca, coletivos, políticos, de trabalho.
Em todos os ambientes onde temos pessoas atuando juntas em prol de alguma construção, podemos falar sobre tempo e velocidade de outra forma. Desapressar. Desacelerar. E melhorar as relações e a convivência. Humanizar.
Mas sempre que alguém me encomenda uma lista com 5, 7 ou 50 passos para desacelerar, isso me gera um incômodo, porque se trabalhamos apenas no âmbito das pessoas, estas fórmulas terminam virando mais um instrumento violento para aqueles que simplesmente não conseguem desacelerar, porque estão cercados por um ambiente social (de trabalho, de educação, familiar, etc) que não concede nenhuma brecha para que esta desaceleração aconteça de forma prática.
É aí que o discurso pela desaceleração individual precisa se encontrar com a luta pela desaceleração do mundo.
O desacelera, o movimento slow, é uma plataforma política, uma proposta de desaceleração da vida, dos espaços, das formas de pensar e agir, das formas de constituir as relações, das formas de estar no mundo, de pensar nossa relação com a natureza, o consumo, a alimentação, a infância, a medicina, o trabalho, a educação e todos os campos da vida.
Amplificar esta abordagem é fundamental para que o desacelerar seja compreendido como uma luta de todos/as. Porque a adesão individual ao movimento slow é possível para algumas pessoas, mas a adesão social e coletiva ao slow é a única saída que nos resta como humanidade.