Por Elaine C. M. Santos*
Desde pequena, cresci ouvindo aquelas velhas frases: – “Dê tempo ao tempo!” “O tempo é o senhor da razão!” “Tudo é uma questão de tempo!” “Com o tempo, tudo passa!” “Não há dor que o tempo não cure!”.
Um pouco mais velha, descobri que existiam debates muito mais refinados e perturbadores sobre este tema. A ciências exatas, por exemplo, vai dizer que a grandeza física e rudimentar deste fenômeno é passível de ser quantificado, medido, controlado e determinado, enquanto que uma abordagem mais ontológica, filosófica ou sociológica trará aspectos mais subjetivos, qualitativos, históricos e imensuráveis sobre a questão.
A impossibilidade de uma coesão entre estes diversos saberes, nos mostra que o tempo carrega em si, uma dimensão misteriosa que nós, seres humanos, não somos capazes de abarcar como um todo. Somos apenas um intervalo definido por uma duração entre nascimento e a morte; a grandiosidade temporal é infinitamente maior que nossa singela existência.
Nos ditos populares que citei, o tempo sempre aparece enquanto uma totalidade que traz respostas para a vida. Na minha experiência pessoal, posso dizer que tomar consciência do que este tempo representa no meu cotidiano e nas relações humanas tem me feito trilhar caminhos reveladores.
Lembro-me da primeira vez que este tema me tocou profundamente – tinha acabado de me mudar para São Paulo e, sendo do interior, ficava assustada ao ver milhares de pessoas se atropelando no metrô. Apavorada com o ritmo da cidade, sempre comentava com meus amigos sobre meu incomodo e a resposta era sempre a mesma: Ah! Com o tempo você vai se acostumar!
E me recusando acostumar com este típico estilo paulistano, passei a tomar a dimensão temporal como um tema central nas minhas pesquisas.
Como psicóloga social, passei a observar os diversos aspectos da sociedade contemporânea que nos faz ter uma percepção distorcida e adoecedora sobre o tempo. E pude reconhecer que são inúmeros os elementos da atualidade que nos fazem perceber o tempo de um modo muito mais acelerado e patológico. A invenção da internet, por exemplo, nos fez romper de maneira drástica com uma percepção do tempo, em termos de linearidade e espaço. E romper barreira físicas, através da virtualidade, nos deixou muito mais vulneráveis a uma imensidão de demandas sociais que até alguns anos atrás, conseguíamos filtrar e nos separar.
O ritmo social e o fluxo informacional estão tão intensos que nos tornou escravos do nosso próprio tempo. Se observarmos as doenças psíquicas mais comuns do nosso século, veremos que todas elas estão, de alguma forma, associadas a esta noção temporal modificada. A depressão, por exemplo, pode ser entendida como um sofrimento vinculado a um passado que também se encontra comprometido por um processo histórico e social. Já o estresse, fala de uma sobrecarga emocional relacionada ao tempo presente, que hoje se encontra supervalorizado pela prerrogativa do aqui/agora.
O novo tempo da sociedade contemporânea, não tolera experiências há longo prazo, por isso o momentâneo e o instantâneo são a bola da vez. E se tornar refém desta forma de experimentar o mundo, pode obscurecer a nossa percepção de futuro. Por isso, os sintomas de ansiedade tão presente em nossos dias, são evidentemente sintomas de antecipação que causam um sofrimento psíquico por um futuro que invade o presente de maneira intensa e incontrolável.
Foi entrando cada vez mais fundo nesta questão que hoje passei a ter convicção que o restabelecimento da saúde individual e coletiva deve passar por um processo de resignificação e conscientização em relação ao tempo. Por isso, confesso que quando vi pela primeira vez a página do Desacelera – SP fiquei muito feliz, pois tive a certeza que, assim como eu, existem muitas pessoas que resistem e desejam repensar a sua relação com o tempo.
Hoje, depois de quase dois anos em São Paulo, posso dizer de boca cheia que o tempo, ao invés de me fazer acostumar com o ritmo paulistano, me fez perceber que é possível ter qualidade de vida na capital. E não ter pés apressados, me permitiu acessar iniciativas encantadoras e compatíveis com o estilo de vida que adotei.
Experimentar e reconhecer a riqueza semântica do ditado que diz: “Dê tempo ao tempo!”, é um processo que envolve desacelerar, parar e olhar para dentro de si. Precisamos compreender que o ritmo humano e o ritmo social, definitivamente, não são a mesma coisa. E para reconhecer e olhar para o nosso relógio interno, que está associado a uma dimensão muito mais misteriosa e grandiosa do que nossas preocupações e tarefas do cotidiano, precisamos tomar uma atitude de denúncia, coragem e lucidez. É um ato que implica uma responsabilidade pessoal e social, mas que pode nos surpreender positivamente quando percebemos ser possível encontrar novas formas de existir e ecoar no mundo.
* Psicóloga / Doutoranda em educação (USP)
Membro do Instituto Hanós, que realiza intervenções psicológicas visando uma individualidade e coletividade contemporânea mais saudável.
O Desacelera SP e o Instituto Hanós desenvolvem juntos atividades de imersão em consciência temporal. Para mais informações, entre contato conosco.