Em 2017, para o que você quer ter tempo?

Leia ensaio de Michelle Prazeres, publicado originalmente no Jornal Nexo.

Se você respondeu à pergunta do título deste artigo com “para mim”, bem vinda(o) ao clube! Tenho conversado em rodas, nas redes e nas ruas com diversas pessoas e uma voz é unânime: todas andam cansadas, estressadas, exaustas e querendo parar. Outra voz é praticamente unânime: a de que “o mundo não para” e que, por isso, desacelerar é tão difícil.

As viradas de ano são momentos especiais para pensarmos sobre o tempo e sobre a nossa relação com ele. Porque nos pegamos, mesmo que escondidos, fazendo promessas para o ano que chega e “checklists” de coisas que queremos realizar “quando tivermos tempo”. Um tempo que sempre estamos tentando arrumar, mas que parece nunca chegar.

Quer saber de uma coisa? Talvez esse tempo continue sem chegar em 2017.

E sabe por quê? Porque não dá para esperar que esse movimento seja do mundo.

O mundo não vai parar. Quem tem que parar é você. E se você não para, não adianta dizer que é o mundo que não para.

Aí, você vai me perguntar: mas como eu posso parar, se o trabalho, a vida, os filhos, as obrigações me fazem correr?

E aí, eu preciso te contar que o “desacelerômetro”, geralmente, é um relógio interno.

Explico.

Todo mundo tem 24 horas em um dia. Mas por que algumas pessoas correm, e outras não? Por que algumas se estressam; e outras não? Por que algumas “arrumam” tempo para coisas bacanas; e outras não conseguem?

Ao contrário do que os discursos da “administração” e da “gestão de tempo” querem fazer crer, não basta organizar bem o seu tempo para ter tempo para “coisas legais”.

O mundo corre mesmo num ritmo frenético e de forma perversa. A maior parte das pessoas precisa trabalhar para pagar contas e sobreviver. Boa parte delas se desloca para trabalhar e perde horas do dia na grande cidade com esses deslocamentos. Boa parte delas está inserida em lógicas perversas de consumo, que também as faz correr para ter sempre o último modelo, o melhor, o mais bacana. Boa parte “perde tempo” todos os dias com um dos maiores “ladrões de tempo” que existem: as tecnologias.

Então, é claro que a gestão do tempo é um argumento que beira à ingenuidade. Assim como o outro extremo, que preconiza “que você deve fazer apenas o que te realiza”. Além de ingênuos, esses argumentos parecem não dialogar com a realidade desse mundo que, de fato, parece atropelar.

Desacelerar não é largar tudo para fazer somente o que te faz bem. Desacelerar é um movimento alicerçado, basicamente, na tomada de consciência sobre o tempo. E na tomada de consciência do que importa para a sua vida. Na construção de suas próprias prioridades, para que você não se sinta refém de urgências que não são suas, mas que foi esse mundo que jogou no seu colo. Isso diz respeito, inclusive, a reconhecer as obrigações que são prioritárias.

Claro que é possível desacelerar por alguns momentos; ou desacelerar se mudando para o interior. Mas esse desacelerar de que estamos falando aqui é um movimento que requer que você reconheça como usa seu tempo, para fazer boas escolhas de uso dele. Talvez você não mude essas escolhas de 2016 para 2017, mas se você tomar consciência delas, e as fizer com mais convicção, não vai ter essa sensação de que corre, porque o mundo está correndo e você está indo na correnteza. Com escolhas mais conscientes de uso do tempo, você terá as rédeas do tempo nas suas mãos. E vai conseguir respirar. E não se sentir atropelado(a) por um ritmo que não é seu.

Aí, você vai me dizer: “Ok. Vamos supor que eu já desacelerei. O mundo continua correndo, e estou vivendo um grande conflito”.

Acredito que, quando começamos mudanças profundas internamente (nos seres humanos), promovemos – no mesmo movimento – mudanças profundas na sociedade.

Se mudarmos nossas práticas sobre o tempo, mudaremos também as percepções sobre o tempo e a cultura relacionada ao tempo de toda sociedade. Em outras palavras, a mudança de postura é condição estrutural para que a mudança cultural aconteça.

Diante desse desafio, um ponto muito caro tem me tocado: o nosso discurso sobre o tempo. Por que, no cotidiano, reclamamos tanto que estamos correndo, estressados, exaustos, mas não conseguimos olhar para o quanto dessa lógica nós mesmos reproduzimos? Vamos começar no cotidiano a construir essas mudanças que dizemos querer? Ou será que de fato, estamos atribuindo ao “mundo-que-corre” essa exaustão, mas preferimos alimentar as engrenagens desse mundo-que-corre, porque ele tem nos servido de “grande culpado” numa relação com o tempo que não conseguimos mudar e, desse modo, conseguimos nos isentar de responsabilidade nisso tudo?

Fico pensando que, por exemplo, em situações corriqueiras, é mais aceitável mentirmos do que sermos honestos em relação a como usamos nosso tempo.

Por que não é aceitável chegar no trabalho e dizer que cheguei mais tarde, porque passei a noite em claro com meu filho que é um bebê de sete meses e precisei dormir mais um pouco? Por que é mais aceitável eu dizer que “o trânsito estava um caos”? Eu sei. Vocês vão dizer que em uma relação de trabalho, em que o tempo é uma obrigação do trabalhador, certas “desculpas” não são aceitáveis. Mas quando começaram a não ser? Não são pessoas que constroem essas convenções? E se elas deixarem de nos convencer?

Um outro exemplo fora das relações profissionais. Por que é mais aceitável dizer que “estou correndo, com a agenda lotada” quando não conseguimos agendar um encontro ou atender a uma demanda de um(a) amigo(a) do que dizer “Desculpe. Não estou conseguindo priorizar isso. Talvez não seja importante para mim neste momento. Podemos voltar a conversar sobre isso depois?”. Nesse caso, em vez de colocar a responsabilidade no “mundo-que-corre” (à sua revelia) seria possível tomar as rédeas do tempo e “assumir” que você não consegue priorizar aquela determinada demanda. Complicado demais?

Não quero aqui alcançar todas as questões culturais e psicológicas envolvidas na construção da cultura do tempo do brasileiro e do paulistano; mas intuitivamente, e tendo como base as conversas que tenho feito por aí por conta do Desacelera SP, eu consigo intuir que uma relação discursiva mais honesta já seria um caminho transformador imenso para a relação que temos com o tempo como indivíduos e como coletivo.

Michelle Prazeres é jornalista, professora da Cásper Líbero e uma das idealizadoras do Desacelera SP.

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