Caracóis e caramujos.
“Há um comportamento de eternidade nos caramujos.
Para subir o barranco de um rio, eles percorrem um
dia inteiro até chegar amanhã.
O próprio anoitecer faz parte de haver beleza nos caramujos.
Eles carregam com paciência o início do mundo.
No geral, os caramujos têm uma voz desconformada por dentro.
Talvez porque tenham a base trôpega.
Suas verdades podem não ser.
Desde quando a infância nos praticava na beira do rio
Nunca mais deixei de saber que esses pequenos moluscos
Ajudam as árvores a crescer.
E achei que essa história só caberia no impossível.
Mas não, ela cabe aqui também”.
Manoel de Barros
Os Caramujos
In. Tratado Geral das Grandezas do Ínfimo
Record, 2001
A poesia de Manoel de Barros nos inspira a apreciar os movimentos desse simpático bichinho. Do ponto de vista mais pragmático, a provocação do professor francês Serge Latouche, descrita em um de seus livros, o Pequeno Tratado do Decrescimento Sereno (Martins Fontes, 2009), nos leva a a relacionar e compreender as possíveis razões pelas quais o caramujo vem sendo utilizado como símbolo de diversas ramificações do Movimento Slow:
Nessas condições, é urgente redescobrir a sabedoria do caracol. Ele nos ensina não só a necessária lentidão, mas uma lição ainda mais indispensável. “O caracol”, nos explica Ivan Illich, “constrói a delicada arquitetura de sua concha adicionando, uma após a outra, espiras cada vez mais largas e depois cessa bruscamente e começa a fazer enrolamentos agora decrescentes. Isso porque uma única espira ainda mais larga daria à concha uma dimensão dezesseis vezes maior. Ao invés de contribuir para o bem-estar do animal, ela o sobrecarregaria. A partir de então, qualquer aumento de sua produtividade apenas serviria para paliar as dificuldades criadas por esse aumento do tamanho da concha para além dos limites fixados por sua finalidade. Passado o ponto-limite de alargamento das espiras, os problemas do excesso de crescimento multiplicam-se em progressão geométrica, ao passo que a capacidade biológica do caracol pode apenas, na melhor das hipóteses, seguir uma progressão aritmética.” Esse divórcio entre o caracol e a razão geométrica, que ele também abraçara por um tempo, nos mostra o caminho para pensar uma sociedade de “decrescimento”, se possível sereno e convivial. (LATOUCHE, 2009, p. xx).
Vivemos no mundo da tecnologia a serviço da produção. Essa, por sua vez, cresce de forma exponencial e num ritmo que, de tão acelerado, pode levar os sistemas produtivos, as pessoas e as condições de sobrevivência a um colapso sem volta. Por outro lado, questões mais profundas, relacionadas a esse contexto, estão sendo estudadas e discutidas por alguns poucos interessados, empenhados em compreender quais são os limites dessa lógica.
Até quando aguentaremos? Quais os impactos desses processos sobre a convivência e a vida dos seres humanos? Até quando as máquinas podem funcionar, num universo de recursos energéticos limitados? Até quando as pessoas conseguirão se manter plenamente saudáveis e lúcidas, se é que ainda estão?
Enfim, ainda temos as condições para continuar produzindo e crescendo ou já deveríamos estar preventivamente nos acomodando aos limites naturais? A simplicidade do caracol nos provoca a pensar sobre o ritmo e a velocidade da vida, e sobre a necessidade de manutenção dos padrões atuais.
O Movimento Slow possivelmente identificou essa relação e simbologia, de forma a não se apropriar apenas da lentidão do bichinho, mas, sobretudo, do processo que o faz naturalmente lento.